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OFICINA FRANCISCO BRENNAND

Atualizado: 31 de out. de 2023

Viajar é sempre uma grande oportunidade de ampliar conhecimento e enriquecer a alma, por isso eu acabo priorizando na vida as oportunidades de viagens. Se tem uma coisa que me encanta é viajar, conhecer in loco o só vemos pelos livros e pela televisão e, claro, provar delícias locais, rs.


Hoje eu vou falar sobre a visita à Oficina Francisco Brennand, em Recife PE. Eu já havia visitado o Recife em outra oportunidade e fiz os passeios clássicos – centro histórico, Olinda, Porto de Galinhas, etc – e acabou que a Oficina ficou para outra oportunidade. Eu fortemente recomendo que você faça uma forcinha e coloque a Oficina no seu roteiro. É uma visita que vale realmente a pena.


Não vou focar nas informações “turísticas” da coisa pois meu objetivo aqui é fazer uma análise da arte e da arquitetura. No final do texto seguem links de bons sites de viagem que podem lhes informar melhor do que eu. A pegada aqui é outra. Então bora lá!


Quem é Francisco Brennand, afinal?


Francisco Brennand foto: www.brennand.com.br/brennand.php acesso em 26/01/19

Ta aí uma grande pergunta. Em sala de aula, quando falo sobre ele, raramente alguém já conhece.


Francisco de Paula Coimbra de Almeida Brennand nasceu em 11 de junho de 1927 na cidade de Recife PE. Sua formação como artista plástico se inicia em 1942, onde teve como mestre o artista Abelardo da Hora (1924 – 2014). Sete anos depois, por incentivo de Cicero Dias (1907-2003) viaja para a França e dá início a sua grande formação e construção de repertório, tendo contato com as grandes obras da história da arte, como Picasso e Juan Miró. Lá encontra sua grande vocação: a cerâmica. Brennand apesar de ter sua produção mais marcante na cerâmica, também é escultor, desenhista, pintor, tapeceiro, ilustrador, gravador.

Conjunto de estátuas - Analu Cadore 2018
Analu Cadore 2018

Em 1971 começou a reconstruir a velha fábrica de cerâmica de seu pai, a Cerâmica São João da Várzea, localizada nas terras de Engenho Santos Cosme e Damião, dando início assim a um projeto monumental com estátuas cerâmicas que ocupam os espaços internos e externos dos barracões da antiga fábrica.


Cerâmica São João. Bairro Várzea. Recife (sem data) Fonte: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/fotografias/GEBIS%20-%20RJ/pe40551.jpg acesso em 22/01/2019

A Oficina


Entrada da Oficina - Foto: Analu Cadore 2018

Cercada por remanescentes da Mata atlântica e pelas águas do Rio Capibaribe, todo o complexo emerge em meio à natureza como uma extensão dela mesma. Segundo o guia turístico do local (sempre tem um guia extremamente simpático para, orgulhosamente, te contar sobre todos os pormenores do local) o fato de o complexo estar embrenhado na mata é estratégico, por conta da relação direta com as obras de Brennand e a natureza. Até por este motivo você vai encontrar algumas estátuas “perdidas” no meio do matagal circundante. Para você volta o olhar, tem uma obra, inserida como se fizesse parte da natureza. Afinal, no complexo todo, estão dispostas mais de 3.000 esculturas!

Foto da ponte que liga ao Rio Capibaribe. Foto: Analu Cadore (2018)

Outra curiosidade que o guia contou: Brennand era muito amigo do nosso querido Poty Lazarotto (1924 – 1998), outro grande artista plástico brasileiro e aqui da nossa Curitiba!


O complexo é pensado para que o visitante circule livremente entre os diferentes ambientes, internos e externos, sendo que estes possuem uma completa interação por conta de grandes aberturas e passagens, mas com a experimentação de que cada ambiente possui uma característica própria. Os pavilhões onde estão dispostas as peças sugerem um ambiente mais introspectivo, com pouca iluminação, onde você se perde no mar de esculturas ao som de um canto gregoriano que proporciona uma atmosfera tensa e profunda no local.


A sensação é de que as estátuas observam você, e não o contrário. Este tipo de ambientação prepara o visitante para uma maior interação com cada peça e com o conjunto. Você se sente menor, mais insignificante do que aquele mar de figuras dispostas cuidadosamente ao longo do percurso. A arte se sobrepõe à existência, até pelo fato de ser atemporal. Algumas estátuas vieram antes de você e provavelmente continuarão lá muito após de você se retirar desta existência. É o caráter atemporal e transcendente da arte.


O ambiente intenciona que você sinta esta transcendência da arte. Você em sua insignificância é temporário, a arte é eterna. Mas não há uma sensação de opressão e sim de reverência ao divino que reside em toda obra de arte. (neste momento lembrei de Kandisnky e seu maravilhoso livro “Do espiritual na Arte”1). É este sentimento que enriquece sobremaneira a experiência da visita, e te deixa maravilhado.


O projeto museológico é um dos melhores que já vi.



Corredor que liga a estrada do pavilhão à Sala das Esculturas. Foto: Analu Cadore (2018)
Sala das Esculturas. Foto: Analu Cadore (2018)
Sala das Esculturas. Foto: Analu Cadore (2018)

Ao fundo do barracão temos o espaço da oficina, onde temos grandes fornos, escuros, com algumas peças dentro e, dispostos em grandes mesas, objetos de trabalho e preparação das cerâmicas e mais ao fundo um grande anfiteatro que possui como referência as salas de banho romanas.

Mesa com utensílios de preparação das peças cerâmicas Foto: Analu Cadore (2018)
Mesa com utensílios de preparação das peças cerâmicas Foto: Analu Cadore (2018)
Anfiteatro Foto: Analu Cadore (2018)

“O artista trabalha a cerâmica não só com a forma mas também com a cor. Obtém uma grande quantidade de tonalidades por meio das variações de temperatura que atuam sobre os pigmentos durante a queima das peças.

As esculturas de Brennand apresentam o caráter de totens, ou se relacionam a signos da tradição popular. Em muitas obras, apresenta criaturas aterradoras, monstros, seres deformados ou que revelam um caráter trágico. Algumas esculturas estão ligadas a rituais de fertilidade, de culturas arcaicas, apresentando um caráter fortemente sexual. Produz figuras que frequentemente têm um aspecto trágico, cuja estranheza é acentuada pelo acabamento rude.” (https://www.escritoriodearte.com/artista/francisco-brennand acesso em 26/01/2019)


Ao ar livre


Na entrada o visitante recebe um pequeno encarte com informações básicas e uma planta baixa do local que consegue te orientar e informar sobre os vários espaços do complexo:


Planta baixa com a localização dos espaços de visitação Grafico retirado do site oficial com intervenção gráfica e imagens da autora (2019)

Assim que você passa pela bilheteria, já adentra um jardim repleto de esculturas que interagem diretamente com o visitante e o espaço e ao fundo uma simpática casinha que dá suporte ao visitante com alimentação e sanitários.


Conjunto de esculturas no jardim de entrada Foto: Analu Cadore (2018)

Conjunto de esculturas no jardim de entrada Foto: Analu Cadore (2018)

A maioria das edificações estão voltadas para a entrada, com o pátio das esculturas e o Templo posicionados no centro como eixo central do conjunto. Segundo as informações no local, o Templo em sua cúpula guarda o Ovo Primordial, tomado como emblema da eternidade. E este motivo é encontrado em vários espaços do complexo.

Pátio central com o Templo e o conjunto de esculturas. Foto: Analu Cadore (2018)
Pátio central com o Templo e o conjunto de esculturas. Foto: Analu Cadore (2018)

Pátio central com o Templo e o conjunto de esculturas. Foto: Analu Cadore (2018)

Ainda no segundo barracão, ao lado do anfiteatro, você encontra uma sala onde estão dispostas algumas peças de revestimento que a Oficina comercializa. Sim, existe a possibilidade de você utilizar revestimentos do Brennand em seu projeto.... você encontra o catálogo no site oficial e também a indicação de fornecedores regionais das peças em todo o Brasil e exterior. Já tive a oportunidade de trabalhar com este material e precisei entrar em contato com a fábrica. São extremamente prestativos e o acabamento do projeto fica algo único, uma vez que as peças são produzidas de forma artesanal e conferem um caráter único em qualquer local onde estejam aplicadas.


Sala com demonstração de alguns dos vários revestimentos comercializados pela Oficina. Foto: Analu Cadore (2018)

Praça Burle Marx


Atrás do pátio central com o Templo, temos um estreito acesso que leva a um amplo jardim projetado pelo grande paisagista Burle Marx (1904 – 1994). Segundo o guia, devido à amizade com Francisco Brennand, o paisagista o presenteou com o projeto do jardim, que foi executado pouco antes de sua morte.

A composição do espaço é muito característica do paisagista, com traços orgânicos, espaço predominantemente horizontalizado e mesclando texturas de espécies locais. E, claro: muitas esculturas.


Na porção leste do conjunto, temos uma série de edificações que servem como receptáculo de obras com temáticas definidas, como o Templo do Sacrifício, que expõe o resgate de culturas assassinadas e o Estádio, que é destinado à realização de eventos.


Praça Burle Marx - Foto: Analu Cadore (2018)


Passando pela alameda leste, ao final do percurso adentramos a porção sul do conjunto, que fica atrás do jardim e só tem acesso por esse corredor lateral. Neste espaço encontramos a Academia, com cerca de 300 desenhos e pinturas do artista e o Cine teatro Déborah Brennand, que possui capacidade para 128 pessoas e é utilizado para projeções e palestras.


Como elemento de ligação destes espaços temos um grande jardim com mais estátuas dispostas de forma bastante linear, que conectam à entrada de serviço do complexo.

Em termos de arquitetura das edificações, o aspecto geral de fábrica é mantido nos armazéns principais que são os mesmos do complexo fabril original. São mantidas suas características predominantemente rústicas, até para que se preserve a temática de oficina. As alvenarias recebem uma coloração branca para fazer fundo às cores e formas das obras expostas e o telhado de telhas cerâmicas e estrutura de madeira, de forma aparente, mantém o ar de rusticidade e trabalha como um elemento de menor claridade, que auxilia no ar introspectivo e trazendo o foco tão somente para a porção expositiva do espaço.


A Oficina é um espaço de transformação constante, uma prova disso é que, mesmo com seus 91 anos, o artista frequenta o complexo diariamente e continua trabalhando! Tivemos a grata surpresa de encontra-lo e ele, extremamente simpático, ouviu a todos e pacientemente tirou fotos com todos os que solicitaram. Achei graça porque muitos visitantes viam o burburinho com uma cara de “que está acontecendo?”.


Bom, minha cara não disfarça a satisfação. Bem, não é todo dia que você encontra e pode exprimir sua admiração por um artista deste porte.


Como uma avaliação geral, ressalto que a Oficina Francisco Brenannd é um local de visitação obrigatória, não só para arquitetos e amantes de arte mas também como para as demais pessoas. Mesmo que o visitante não tenha qualquer iniciação artística, o complexo em si já é algo impressionante. Da forma com que todo o ambiente é pensado para proporcionar uma experiência bastante diversificada ao visitante, não tem como não se deixar levar pela sensibilidade da arte.


O passeio também é bacana para crianças, minha filha de 6 anos adorou. Mas ficou com um pouco de medo das esculturas deformadas e o canto gregoriano, rs.

Espero ter contribuído para ampliar o seu conhecimento sobre arte e que tenha despertado em você a vontade de conhecer tudo isso bem de perto.


Grande abraço e logo logo tem mais!


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